terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Segredos semânticos


A língua guarda segredos, ou talvez a língua esconda verdades. No estudo da semântica da língua, descobrimos coisas interessantes sobre a maneira como vemos o mundo. Por exemplo, estudando a semântica dos verbos, nos deparamos com o conceito de causa, presente no sentindo de inúmeros verbos como abrir, fechar, quebrar, assustar, esconder e muitos muitos outros. Em português, eu não saberia dizer quantos verbos têm a ideia de causa dentro de seu significado. Mais de mil, sem dúvida. E há cerca de 6000 verbos em português. O interessante da ideia de causa – o “segredo” ou  “verdade” escondida – é que aquilo que dizemos causar outra coisa (por exemplo, quando falamos o menino fechou a porta, o menino é a causa de a porta ter fechado), na verdade, é apenas um acontecimento que potencialmente desencadeia outro, mas não necessariamente o determina. Por exemplo, o menino fez uma força enorme empurrando a porta da entrada do castelo para que ela fechasse e o protegesse do ataque do exército Uno (delírios semânticos fazem parte das análise, juro), mas a porta era muito pesada e não fechou. Isso nos mostra que, quando ele de fato consegue fechar uma porta (mais leve, que fica na entrada do seu quarto, por exemplo), foi a própria porta que o permitiu, pois era leve. Agora peguemos um verbo que na Linguística chamamos de “psicológico”, como assustar, e que também tem a ideia de causa. Quando Maria assusta João (com sua fantasia de zumbi), é o João que de certa forma “escolhe” se assustar com a fantasia da Maria. Num dia mais meditativo, concentrado, João decidiu resistir aos sustos frequentes que toma da amiga (delírios…). Maria vestiu a mesma fantasia, mas João estava preparado… ela fez a mesma coisa (por exemplo, gestos fantasmagóricos), mas dessa vez ele não se assustou! Ou seja, não é a Maria que assusta o João no final das contas, mas ele que se assusta com algo que ela faz. Isso é incrível, está dentro da semântica da língua e revela uma sabedoria profunda e inconsciente sobre a nossa experiência humana sobre esta Terra: a de que não somos tão joguetes do destino assim (citando Shakespeare). Podemos não reagir, ainda que tenhamos que nos preparar bastante, como João, ao que nos acontece. Quando dizemos “Fulano me irrita”, a semântica pode nos ajudar a dizer/pensar “eu é que me irrito com algo que Fulano faz”. E adicionar: “não me irritarei mais, de agora em diante, pois escolho estar em paz”. Pois a causa não é determinante, é apenas propiciadora dos acontecimentos subsequentes. Sobre os acontecimentos-causa não temos controle, mas, por mais difícil que seja, temos poder de escolha sobre os acontecimentos reativos.