A língua guarda segredos, ou talvez a
língua esconda verdades. No estudo da semântica da língua, descobrimos coisas
interessantes sobre a maneira como vemos o mundo. Por exemplo, estudando a
semântica dos verbos, nos deparamos com o conceito de causa, presente no
sentindo de inúmeros verbos como abrir,
fechar, quebrar, assustar, esconder e muitos muitos outros. Em
português, eu não saberia dizer quantos verbos têm a ideia de causa dentro de
seu significado. Mais de mil, sem dúvida. E há cerca de 6000 verbos em
português. O interessante da ideia de causa – o “segredo” ou “verdade” escondida – é que aquilo que
dizemos causar outra coisa (por exemplo, quando falamos o menino fechou a porta, o menino é a causa de a porta ter fechado),
na verdade, é apenas um acontecimento que potencialmente desencadeia outro, mas
não necessariamente o determina. Por exemplo, o menino fez uma força enorme
empurrando a porta da entrada do castelo para que ela fechasse e o protegesse
do ataque do exército Uno (delírios semânticos fazem parte das análise, juro),
mas a porta era muito pesada e não fechou. Isso nos mostra que, quando ele de
fato consegue fechar uma porta (mais leve, que fica na entrada do seu quarto,
por exemplo), foi a própria porta que o permitiu, pois era leve. Agora peguemos
um verbo que na Linguística chamamos de “psicológico”, como assustar, e que também tem a ideia de
causa. Quando Maria assusta João (com sua fantasia de zumbi), é o João que de
certa forma “escolhe” se assustar com a fantasia da Maria. Num dia mais
meditativo, concentrado, João decidiu resistir aos sustos frequentes que toma
da amiga (delírios…). Maria vestiu a mesma fantasia, mas João estava preparado…
ela fez a mesma coisa (por exemplo, gestos fantasmagóricos), mas dessa vez ele
não se assustou! Ou seja, não é a Maria que assusta o João no final das contas,
mas ele que se assusta com algo que ela faz. Isso é incrível, está dentro da
semântica da língua e revela uma sabedoria profunda e inconsciente sobre a nossa
experiência humana sobre esta Terra: a de que não somos tão joguetes do destino
assim (citando Shakespeare). Podemos não reagir, ainda que tenhamos que nos
preparar bastante, como João, ao que nos acontece. Quando dizemos “Fulano me
irrita”, a semântica pode nos ajudar a dizer/pensar “eu é que me irrito com
algo que Fulano faz”. E adicionar: “não me irritarei mais, de agora em diante,
pois escolho estar em paz”. Pois a causa não é determinante, é apenas
propiciadora dos acontecimentos subsequentes. Sobre os acontecimentos-causa não
temos controle, mas, por mais difícil que seja, temos poder de escolha sobre os
acontecimentos reativos.